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19 de novembro de 2010

O Tempo na ficção científica antiga (1)

Examinar o tratamento literário do Tempo nos faz retornar frequentemente para o gênero da ficção científica. O tema certamente propicia explorações dissociadas do puramente científico -- como Proust, cuja obra abordei em artigo passado -- mas quando é observado como um todo, suas vertentes, invariavelmente, recaem sobre a literatura especulativa.

Tendo iniciado propriamente com H. G. Wells e Jules Verne (os nomes levam para artigos anteriores sobre ambos), elementos de ficção científica são encontrados em obras antecedentes, até autores imediatamente anteriores que seriam considerados ficção científica se não fossem analistas mais puristas com critérios estritos para definir o gênero. Pretendo fazer aqui uma menção daqueles precursores que exploraram temas relacionados ao Tempo.

Mapa de Atlântida, Mundus subterraneus de Athanasius Kircher (1602-1680)
A primeira que cabe ser mencionada é a Atlântida descrita por Platão (428-348 AEC) nos diálogos "Timeu" e "Crítias". Segundo ele, Atlântida era uma potência marítima localizada em uma vasta ilha defronte aos Pilares de Hércules (o Estreito de Gibraltar, a abertura do Mar Mediterrâneo para o Oceano Atlântico), que governava um verdadeiro império que se estendia sobre Europa e África 11.000 anos atrás. Apesar de servir como inspiração para utopias literárias que viriam muito tempo depois (como "A Nova Atlântida" de Francis Bacon), Atlântida era na verdade uma distopia, o contrário perfeito de Atenas, que reunia os valores utópicos descritos por Platão em "A República". O fim de Atlântida representa muito bem isso: após falhar numa tentativa de invadir Atenas, a ilha é engolida pelo mar.

Os épicos indianos Ramayana e Mahabharatha, que podem remontar até o século IV AEC, também trazem elementos curiosos. Ramayana descreve a estória do herói Rama procurando resgatar sua esposa Sita, sequestrada pelo Rei Ravana de Lanka. Ravana recebe Rama em sua "vimana", um magnífico veículo capaz de viajar no ar, sob as águas ou pelo espaço, em uma esperançosa antecipação de naves voadoras. Mais adiante, buscando um fim para o terrível embate contra Ravana, Rama faz uso de uma "Brahmastra", uma arma concedida pelo deus Brahma que destruía o alvo sem resistência possível, além de privar de vida a região ao redor -- comparada às nossas atuais bombas atômicas. Já o Mahabharatha, que contém o relato da Guerra de Kurukshetra e o maravilhoso Bhagavad Gita, traz a história do Rei Kakudmi, que visita Brahma para saber qual dos pretendentes de sua filha magnífica seria o marido ideal. Kakudmi aguarda que músicos entretendo Brahma terminem e, quando o Criador o recebe, este gargalha, contando que o tempo em sua casa corre diferente do que na Terra. Eras passaram e até descendentes distantes dos pretendentes de sua filha já haviam morrido de velhos. Esse mecanismo de dilatação do tempo viria a ser frequentemente empregado em narrativas envolvendo viagem no tempo.

Similarmente, a lenda japonesa de Urashima Taro, do século VIII, conta como o pescador de mesmo nome salva uma tartaruga torturada por crianças. Uma imensa tartaruga depois surge para ele informando-o que a pequena era Otohime, filha de Ryujin, o Deus Dragão do Mar, que deseja agradecê-lo pessoalmente. Depois de alguns dias no palácio submarino de Ryujin, ele deseja voltar para casa, para desgosto de Otohime, que lhe presenteia com uma caixa que não deve abrir. Urashima chega à sua vila e descobre que 300 anos se passaram, e que todos que conhecia morreram. Em desespero ele abre a caixa e envelhece imediatamente. A voz de Otohime explica que não devia ter aberto a caixa, pois ela continha a sua velhice.

"Descida", ilustração de Edmund Dulac (1882-1953) para "O Cavalo de Ébano"
As estórias das Mil e Uma Noites, a notória coleção de narrativas árabes, contém vários traços de ficção científica, particularmente em "A Cidade de Bronze", "O Cavalo de Ébano" e "O Terceiro Conto de Qalandar", que trazem homens e criaturas mecânicas capazes de movimento autônomo, como precursores dos robôs. Mas é o romance "O Livro de Fadil ibn Natiq", depois traduzido como Theologus Autodidactus, escrito pelo sábio árabe Ibn al-Nafis (1213-1288) que melhor prevê o gênero em todas as suas características. O livro acompanha a trajetória de Kamil, um selvagem nascido em uma ilha que procura compreender o mundo através da racionalidade. O autor apresenta através de Kamil suas próprias teorias sobre diversos temas, sob um enfoque científico e religioso, passando inclusive a previsões sobre o futuro, incluindo um fim do mundo catastrófico.

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