O escritor francês Jules Gabriel Verne (1828-1905) é um dos pais da ficção científica, dedicando a maioria de seus escritos a tratar de viagens e da exploração de terras desconhecidas e impossíveis de serem conhecidas, como da Lua ou das profundezas do mar. Aos doze anos, ele tentou entrar clandestinamente no navio Coralie com destino à Índia, mas foi pego e castigado pelo pai, jurando naquele momento: "a partir de hoje, só viajarei em minha imaginação".
O pai parou de financiá-lo quando descobriu que ele escrevia em vez de estudar Direito. Passou a investir em ações para sobreviver, e continuar escrevendo. Neste período, conheceu Alexandre Dumas pai (1802-1870), autor de "O Conde de Monte Cristo" e "Os Três Mosqueteiros", e Victor Hugo (1802-1885), autor de "Os Miseráveis" e "Notre-Dame de Paris". Dumas tornou-se seu amigo próximo.
Verne casou-se em 1857, com seu filho Michel Jean Pierre Verne (1861-1925) nascendo 4 anos depois. Uma criança problemática, Jules enviou o filho à Colônia Penal Mettray, a título de internato, mas o rapaz não melhorou seus modos, escapando com uma atriz e casando com ela, abandonando-a por outra de 16 anos, com quem teve dois filhos antes do divórcio estar resolvido. As relações de Michel com o pai, entretanto, foram melhorando ao longo dos anos.
A contribuição de Jules para a literatura é inegável, com obras imortais tais como "Uma Jornada ao Centro da Terra" (1864) e "Vinte Mil Léguas Submarinas" (1870). As obras em que explorou temas temporais, todavia, requerem que abordemos alguns textos que foram ampliados, reescritos ou escritos por seu filho Michel. Michel escrevia com qualidade elogiada por Jules e inclusive colaboraram em vários textos. Encarregado de publicar as últimas obras do pai após seu falecimento, Michel pode ter incluído textos de sua autoria exclusiva.
Tendo por anos sido considerado como avesso à especulação futurista, a descoberta e publicação do texto "Paris no Século XX", que resumo abaixo, evidenciou não apenas a co-autoria com Michel Verne, mas revelou que várias das obras de seu filho serem futuristas talvez deve-se ao estímulo de Jules, impedido de explorar o tema pela rejeição editorial. Este artigo trata da atribuição dos textos a Jules ou a seu filho, discutindo "Paris no Século XX" e "No ano de 2889".
Como lista semelhante que fiz de H. G. Wells, segue lista de obras de Jules Verne que tratam do tempo. A lista não pretende ser exaustiva, e tentarei não revelar os desfechos das estórias, a fim de não estragar surpresas de potenciais leitores.
- Paris no Século XX (Paris au XXe siècle, 1863/1994). Michel Dufrénoy, de 16 anos, gradua-se em literatura e clássicos em um mundo onde ambos os temas foram esquecidos. Preza-se apenas negócios e tecnologia no futuro. Ele mora com o tio, Scanislas Boutardin, que diz que o rapaz irá trabalhar no banco Casmodage e Co.. Pelo resto do dia Michel procura por literatura em livrarias, mas encontra apenas tecnologia. Dirige-se à Biblioteca Imperial, onde encontra um tio que nunca conheceu, Huguenin. O tio sempre foi uma vergonha para a família por se dedicar às artes. Michel trabalha mal no banco até ser designado para o guarda-livros Quinsonnas, que diz a ele que se sustenta com o trabalho, mas dedica-se à música. Quinsonnas e Michel visitam Huguenin e encontram Richelot e sua filha Lucy, com quem Michel se apaixona. Procurando publicar seu livro de poesia, Michel gasta quase tudo o que tem, usando suas últimas economias para comprar violetas para Lucy, mas não a encontra, pois ela foi despejada assim que o avô, o último professor de retórica na universidade, foi demitido. Michel vaga no frio de uma Paris cheia de maravilhas tecnológicas, em devaneios em que se perde no final.
- Da Terra à Lua (De la Terre à la Lune, 1865) e Ao Redor da Lua (Autour de la Lune, 1870). Impey Barbicane, o presidente do Clube de Armas de Baltimore, propõe aos colegas que um canhão pode disparar um projétil até a Lua. O Capitão Nicholl, arquiinimigo de Barbicane, aposta com ele que cada passo da tarefa é impossível. Barbicane obtém o dinheiro para o projeto com governos dos EUA e da Europa, decidem pelo local de lançamento (prevendo o lugar do real Centro Espacial Kennedy quase 100 anos no futuro) e lá iniciam a construção do canhão, que requer uma escavação prodigiosa terminada bem a tempo. Surge Michel Ardan, um aventureiro francês que pretende viajar no projétil, sugerindo que Barbicane e Nicholl viajem com ele. O lançamento é feito e o destino dos três ao fim da primeira história é incerto. Na continuação, um meteoro quase colide com o projétil a caminho da Lua, desviando-os do curso e deixando-os em órbita do satélite. Os passageiros usam binóculos de ópera para observar a Lua. O projétil entra na fria sombra da Lua, para depois emergir e se dirigir por sobre as carateras até o ponto onde começam a ser atraídos pela Terra. Tentam usar foguetes para cair na Lua, mas não conseguem, e em enorme velocidade caem na Terra.
- A Volta ao Mundo em 80 Dias (Le tour du monde en quatre-vingts jours, 1873). O nobre inglês Phileas Fogg, metódico e exigente com seus criados, acaba de contratar o francês Passepartout. Mais tarde, no Clube da Reforma, ele lê em um jornal um artigo sobre uma nova ferrovia na Índia e aposta com os colegas que é possível fazer uma viagem ao redor do mundo em 80 dias. Com seu roteiro estabelecido, Fogg e seu criado deixam Londres alcançando Suez em 7 dia. No Egito, Fogg é tido por Fix, da Scotland Yard, como um ladrão de bancos, e o detetive passa a segui-los. Fogg promete uma recompensa ao navegador do barco que os leva a Bombaim, na Índia, e chega lá em 11 dias, tomando um trem para Calcutá. Na viagem, Fogg descobre que o artigo do jornal estava errado e que a ferrovia termina antes do que imaginava. Ele consegue um elefante e um guia com o qual ir até Allahabad, mas no caminho encontram um ritual de sacrifício de uma moça, Aouda, que salvam engenhosamente e levam com eles. Chegam a Calcutá onde quase são presos por Fix, mas escapam e tomam um vapor para Hong Kong. Fix tenta obter a ajuda de Passepartout e não conseguindo, deixa-o drogado e bêbado. O criado se adianta e vai para Yokohama antes de Fogg, que vai em seguida e o encontra em um circo, obtendo dinheiro para voltar para casa. Tomam um vapor para San Francisco, onde embarcam em um trem para Nova Iorque, encontrando vários obstáculos. Chegando lá, Fogg perde o navio que pretendia tomar, e paga um preço exorbitante num vapor para Bordeaux, mas causa um motim com suborno e muda o destino para Liverpool. O combustível acaba e Fogg abastece o navio de forma inusitada, chegando à Irlanda e buscando chegar a Londres através de Dublin. Fix tenta prendê-lo uma última vez, atrasando-o um dia depois dos 80 dias da aposta. Pobre no fim, Fogg crê que terá que consolar-se no amor declarado por Aouda, mas um último fato o surpreende.
- Robur, o Conquistador (Robur-le-Conquérant, 1886). Luzes e sons estranhos são relatados nos céus, e bandeiras negras com sóis dourados surgem no topo de monumentos por todo o mundo. O Instituto Weldon, um clube de aviadores de Filadélfia que defende o uso de aeronaves mais leves que o ar, debate onde pôr o propulsor de um dirigível gigante que estão construindo chamado Goahead, quando um inventor chamado Robur invade o encontro e atesta que aeronaves mais pesadas que o ar são o futuro, dizendo ter conquistado o ar e se intitulando Robur, o Conquistador. Ele é atacado pelo Instituto e foge, mas retorna para sequestrar o presidente e seus secretários e levá-los para sua nave de rotores, o Albatroz, adornada com as bandeiras negras vistas antes. Robur pretende demonstrar a capacidade do Albatroz levando seus prisioneiros ao redor do mundo. O presidente exige soltura, mas vendo que não irá obtê-la, planeja destruir a aeronave e escapar. Após uma tempestade, o Albatroz atraca para reparos, e os prisioneiros escapam, acendendo uma bomba que explode o Albatroz. Resgatados por um navio, retornam para Filadélfia. Influenciados por Robur, o presidente resolve instalar propulsores no Goahead similares ao Albatroz. O Goahead é completado e em sua viagem inaugural, o Albatroz ressurge e lança-se contra o dirigível, e a resolução do embate também é o desfecho desta estória... mas ela continua, em:
- Mestre do Mundo (Maître du monde, 1904). Objetos tão velozes a ponto de serem quase invisíveis parecem ser a causa de ocorrências inexplicáveis nos EUA. O policial federal John Strock vai até as Montanhas Blue Ridge para investigar e lá descobre que a causa das ocorrências é a mais nova invenção de Robur: o Terror, um veículo de dez metros de comprimento que pode viajar a 240 km/h por terra, a 320km/h por ar, mas também sobre a água ou sob a água. Strock tenta capturar o Terror, mas em vez disso é capturado. O Terror é perseguido e Robur leva Strock com ele em uma tempestade elétrica, onde o veículo é atingido por relâmpagos. O fim da estória talvez revele o destino do veículo e seus ocupantes.
- No Ano 2889 (La Journée d'un journaliste américain en 2889, 1889) [Co-autoria com Michel Verne]. Descrevendo um dia na vida do editor-chefe do maior jornal do mundo, com sede em Centrópolis, a antiga Nova Iorque, no ano de 2889. A premissa serve para mostrar os avanços e eventos no futuro, como carros, ônibus e trens voadores; acumuladores que oferecem energia ilimitada; "telefotes" similares a videofones; a anexação do Reino Unido e Canadá pelos EUA; controle climático global; comida encanada para as casas; cubículos que limpam e vestem; exploração espacial, com a descoberta de Olimpo, além da órbita de Netuno; "totalizadores", ou computadores; comerciais projetados nas nuvens; fotografia a cores; criogenia; e tubos pneumáticos submarinos, em que as pessoas viajam de Paris a Centrópolis em 295 minutos.
- O Eterno Adão (L'Éternel Adam, 1910). [Co-autoria com Michel Verne]. Em um futuro distante, acadêmicos debatem a origem do homem, separados entre os que acreditam e os que não acreditam em um único ancestral. Um arqueólogo relata o que decifra do diário de uma pessoa que sobreviveu no passado à total destruição da civilização com um grupo de pessoas. Elas tentaram sobreviver fazendo uso de seus conhecimentos compartilhados, mas invariavelmente falharam e sucumbiram, com exceção de um, o ancestral único mencionado no debate, uma alegoria mencionada desde o título para o ciclo eterno a que a civilização está fadada.
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