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17 de setembro de 2010

Querido diário

Os diaristas ou escritores de diários são considerados hoje como documentadores de suas épocas, registrando seus cotidianos, fornecendo detalhes únicos sobre eventos históricos, trazendo informações sobre minúcias esquecidas e, principalmente, permitindo que as gerações futuras conheçam os costumes e formas de pensar de épocas passadas.

Registros escritos periódicos proliferaram assim que sistemas complexos exigiram maior organização na sociedade, o que ajudou a difundir a alfabetização, antes reservada apenas às esferas dominantes. Assim, registros governamentais, militares e financeiros evoluíram com os sistemas a que se referiam. Outro tipo de registro bastante frequente e popular eram os registros de viagem, incluindo relatos de emissários, mensageiros e diplomatas, anotações de caravanas e mercadores e diários de bordo de embarcações.

Mas há características para o que é considerado modernamente um diário -- entradas pessoais escritas em sequência cronológica e de periodicidade curta e regular (daí o nome diário) -- que remontam ao mais antigo registro particular, a obra intitulada "A Mim Mesmo" do imperador romano Marco Aurélio (121-180). Outros predecessores de diários incluem o gênero Zuihitsu, estilo de registrar incidentes diários inspirado principalmente por "O Livro de Travesseiro" (Makura no Sōshi, 1002) da cortesã japonesa Sei Shōnagon (966-1017); transcrições de visões e revelações das nuncas canonizadas Santa Elizabete de Schonau (1129-1165) e Santa Agnes Blannbekin (1244-1315); e, na Renascença, o "Diário de um Burguês de Paris" (Journal d'un bourgeois de Paris, 1449) de autoria anônima, e as confidências dos florentinos Buonaccorso Pitti e Gregorio Dati e do veneziano Marin Sanudo (1466-1536).

O primeiro diarista, alguém que mantinha diários com habitualidade e homogeneidade, foi o inglês Samuel Pepys (1633-1703), que paralelamente às suas atividades na Marinha e no Parlamento, manteve um diário de 1660 a 1669. Por quase dez anos, Pepys manteve um diário propriamente dito, um registro de cada dia de sua vida em Londres. A constância e detalhes do texto o tornaram fonte primária para o período da chamada Restauração Inglesa, conclusão das Guerras dos Três Reinos que restaurou as monarquias da Inglaterra, Escócia e Irlanda sob o Rei Carlos II em 1660. Eventos históricos abrangidos pelo diário de Pepys incluem a Segunda Guerra Anglo-Holandesa (1665-1667) vencida pelos Países Baixos; a Grande Praga (1665-1666) que matou cerca de 100.000 pessoas, 20% da capital inglesa, de peste bubônica; e o Grande Incêndio de 1666, que iniciou em um forno de padaria e consumiu mais de 13.000 edificações, principalmente da área mais antiga de Londres, cercada por um muro da época dos romanos. O diário de Pepys foi publicado pela primeira vez em 1825. Menos conhecido mas igualmente importante é o contemporâneo de Pepys, John Evelyn (1620-1706), que inclusive apresentou um dos planos de reconstrução para a Londres incendiada.

A prática foi notada e outros diários foram publicados postumamente, como o Grasmere Journal de Dorothy Wordsworth (1771-1855), irmã do poeta inglês William Wordsworth, expoente do romantismo na Inglaterra com Samuel Taylor Coleridge, ambos retratados por ela; os diários da romancista inglesa Frances Burney (1752-1840), mantidos desde os dez anos, apesar de "edições" que fez quando adulta em retrospecto; e Henry Crabb Robinson (1775-1867), que conheceu ilustres alemães como Goethe e Schiller e foi correspondente das Guerras Napoleônicas.

A prática sobreviveu através dos anos até nossos tempos. Um dos diários mais famosos é o de Anne Frank (1929-1945), publicado originalmente como "Nos fundos do prédio" (Het Achterhuis, 1947) na língua holandesa, em que foi escrito. Os nazistas ocupavam os Países Baixos desde 1940. Anne começou o diário em um caderno que ganhou em seu 13º aniversário, no dia 12 de junho de 1942. No mês seguinte sua irmã Margot foi convocada para um campo de trabalho e a família resolveu esconder-se em salas secretas do prédio da companhia do pai Otto, em Amsterdã. O diário descreve a vida da família e de outras que se juntaram a eles nas salas escondidas, até a última entrada em 1 de agosto de 1944. Três dias depois um informante desconhecido entregou a localização das famílias, com Anne sobrevivendo a Auschwitz por já ter 15 anos, indo para Bergen-Belsen, onde ela e a irmã morreram de tifo em março de 1945. Seu diário é considerado um dos mais comoventes relatos sobre os efeitos da guerra na sociedade.

Personalidades bastante distintas figuram lado a lado como diaristas, em uma lista que inclui:
  • Adolfo Bioy Casares (1914-1999), escritor argentino
  • Lewis Carroll (1832-1898), escritor inglês
  • Kurt Cobain (1967-1994), cantor estadunidense
  • Aleister Crowley (1875-1947), místico inglês
  • Fyodor Dostoyevsky (1821-1881), escritor russo
  • Allen Ginsberg (1926-1997), poeta estadunidense
  • Joseph Goebbels (1897-1945), político nazista 
  • Ernesto "Che" Guevara (1928-1967), revolucionário argentino 
  • Carl Jung (1875-1961), psicólogo suíço
  • Franz Kafka (1883-1924), escritor tcheco
  • Søren Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês 
  • Thomas Mann (1875-1955), escritor alemão 
  • Alanis Morissette (1974-), cantora canadense 
  • Anaïs Nin (1903-1977), escritora francesa 
  • Michael Palin (1943-), comediante inglês 
  • George Bernard Shaw (1856-1950), dramaturgo irlandês 
  • Leo Tolstoy (1828-1910), escritor russo 
  • Rainha Vitória do Reino Unido (1819-1901)
  • Richard Wagner (1813-1883), compositor alemão 
  • Andy Warhol (1928-1987), pintor estadunidense 
  • Virginia Woolf (1882-1941), escritora inglesa


No Brasil, há duas diaristas notáveis. A paulista Carolina Maria de Jesus (1915-1977) teve seu diário publicado como o livro "Quarto de Despejo" (1960), em que relatava sua vida na favela do Canindé, cujo sucesso permitiu-lhe uma carreira de escritora com outros 4 livros subsequentes. A outra é a mineira Helena Morley, pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant (1880-1970), que manteve um diário sobre sua vida dos 13 aos 15 anos em Diamantina/MG, depois publicado como o livro "Minha Vida de Menina" (1942).


Sobre o tema veja também The Diary Junction, que contém informações e listas de mais de 500 diaristas.

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