Sua consciência raramente errava. Ele havia parado todos os seus projetos para tentar um encontro às escuras com uma garota que encontrou pela Internet. Marcaram no “Jumper”, um café com computadores para acessar a rede, pela ironia. E a voz na cabeça de Jair falava: “Não vai dar certo”.
A voz queria lembrar da promessa que ele estava quebrando, uma das que havia feito para si mesmo. Não iria mais tentar esse tipo de coisa, não iria se desgastar com trivialidades. Mas desde que continuou usando as salas de bate-papo na Internet, já havia traçado toda a perdição daquela promessa.
Batia os dedos na mesa; com sua paciência estertorando, acenou para um homem no balcão, apontando para o computador ao seu lado. Logo estava imerso na rede, tentando dissipar os pensamentos. Entregou-se à concentração de que tanto se orgulhava, aquela que permitia que transformasse onde quer que estivesse em seu lugar de trabalho. Teclava, incansável, buscando recuperar o tempo que cada vez mais parecia desperdiçado.
Depois de meia hora, que passou sem Jair ver, um guardanapo foi jogado em seu braço. Parou de digitar e o abriu. Nele estava escrito: “Não vai dar certo. Desculpa.” Jair surpreendeu-se ao ver a voz de sua consciência escrita. Num desfecho tétrico, uma frase isolada: “Não escreva”.
Jair ainda correu até a porta do café, olhando para os lados. A multidão sem rosto ocupava as calçadas.
Subiu as escadas, destrancou a porta do apartamento e entrou. Perturbando a escuridão, apenas um monitor aceso, exibindo uma forma tridimensional em movimento. Acendeu a luz acionando um disjuntor e o caos de sua vida desvendou-se. Quatro móveis com computadores dissecados, mas vivos, fios cobrindo o chão, armários escancarados repletos de papel, apenas um canto de sua escrivaninha aparecendo embaixo das peças eletrônicas e da papelada.
Soltou o corpo sobre uma cadeira e as lágrimas que contivera até então. Demorou uns cinco minutos, foi ao banheiro e voltou. Respirou várias vezes e começou a organizar seus papéis, como se fossem seus pensamentos.
Sentou novamente e fitou o monitor de seu computador de trabalho. Sobre ele, uma câmera de vídeo coberta com um guardanapo. Teclou algumas coisas, fazendo a tela voltar à vida e, do outro lado do quarto, um computador começou a trabalhar. Quando parou, Jair removeu o guardanapo. Na tela de seu monitor, surgiu a janela de um processador de textos, contendo a mensagem:
(Adão): Vejo os homens como árvores que andam.
A voz queria lembrar da promessa que ele estava quebrando, uma das que havia feito para si mesmo. Não iria mais tentar esse tipo de coisa, não iria se desgastar com trivialidades. Mas desde que continuou usando as salas de bate-papo na Internet, já havia traçado toda a perdição daquela promessa.
Batia os dedos na mesa; com sua paciência estertorando, acenou para um homem no balcão, apontando para o computador ao seu lado. Logo estava imerso na rede, tentando dissipar os pensamentos. Entregou-se à concentração de que tanto se orgulhava, aquela que permitia que transformasse onde quer que estivesse em seu lugar de trabalho. Teclava, incansável, buscando recuperar o tempo que cada vez mais parecia desperdiçado.
Depois de meia hora, que passou sem Jair ver, um guardanapo foi jogado em seu braço. Parou de digitar e o abriu. Nele estava escrito: “Não vai dar certo. Desculpa.” Jair surpreendeu-se ao ver a voz de sua consciência escrita. Num desfecho tétrico, uma frase isolada: “Não escreva”.
Jair ainda correu até a porta do café, olhando para os lados. A multidão sem rosto ocupava as calçadas.
Subiu as escadas, destrancou a porta do apartamento e entrou. Perturbando a escuridão, apenas um monitor aceso, exibindo uma forma tridimensional em movimento. Acendeu a luz acionando um disjuntor e o caos de sua vida desvendou-se. Quatro móveis com computadores dissecados, mas vivos, fios cobrindo o chão, armários escancarados repletos de papel, apenas um canto de sua escrivaninha aparecendo embaixo das peças eletrônicas e da papelada.
Soltou o corpo sobre uma cadeira e as lágrimas que contivera até então. Demorou uns cinco minutos, foi ao banheiro e voltou. Respirou várias vezes e começou a organizar seus papéis, como se fossem seus pensamentos.
Sentou novamente e fitou o monitor de seu computador de trabalho. Sobre ele, uma câmera de vídeo coberta com um guardanapo. Teclou algumas coisas, fazendo a tela voltar à vida e, do outro lado do quarto, um computador começou a trabalhar. Quando parou, Jair removeu o guardanapo. Na tela de seu monitor, surgiu a janela de um processador de textos, contendo a mensagem:
(Adão): Vejo os homens como árvores que andam.
"A Maçã Elétrica" é o nono conto do livro e o primeiro futurista. A estória se passa predominantemente no laboratório e oficina do protagonista Jair, que monta ambientes computadorizados para sustentar inteligências artificiais de sua própria criação. A época é um futuro próximo, sem quaisquer outros avanços extraordinários além da própria área de atuação de Jair.
A noção de inteligência artificial captura a imaginação da humanidade há séculos, tendo se consolidado em sua forma mais recente graças aos avanços na tecnologia de informação. Teoriza-se que seria possível a uma máquina replicar a inteligência humana ou mesmo superá-la, mas o tema atrai outras discussões, como o que constitui a racionalidade, determinantes emocionais e espirituais além dos limites criativos do homem e as possibilidades de relações com outras inteligências, inéditas, já que até hoje só pôde se relacionar com inteligências igualmente humanas.
Ao mesmo tempo em que a tecnologia permite ao homem novas inteligências com que se relacionar, torna mais precários seus relacionamentos com outros seres humanos, fenômeno que já ocorre em nossos dias graças à cultura da comunicação online. Das BBSs dos primórdios da Internet, ao e-mail, ao puro texto dos clientes de IRC, aos programas de mensagem, às redes sociais, aos jogos MMOG, aos mundos virtuais como Second Life, multiplicam as possibilidades de anonimidade e impessoalidade, em que as pessoas se resumem nos seus perfis, sendo tratados como mais um nome na lista de contatos, mais um número na contagem de "amigos".
O conto alia ambas as noções, para contar uma estória de desesperada sensibilidade, sendo manipulada por uma criatura incompreendida pelo próprio criador.
A inspiração do conto foi quando travei um contato duradouro com Maria, uma russa de São Petersburgo. Em determinado momento de nossas conversas pelo ICQ, me assombrou a noção de que eu a considerava como uma boa amiga, e ela bem poderia ser um programa avançado rodando em algum computador conectado à Internet.
O título original do conto era "Eva". A alteração para o atual ocorreu após a revisão final, visando não apenas aludir ao Pecado Original, como também às noções de afeição, artificialidade e tecnologia -- com confessa inspiração tanto em Philip K. Dick (Do Androids Dream of Electric Sheep?, a estória em que o filme Blade Runner é baseado, além de Electric Ant) como na banda imaginária Electric Apricot, do pseudodocumentário homônimo de Les Claypool (da banda Primus).
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