Ele teve um nome, algum dia. Agora tinha uma alcunha de processamento. Era ca.15.f3.b9.
Estava em sua casa, uma residência-padrão. A sala era quadrada de 3 metros por 3 metros, com 2 janelas e: 1 (um) vaso de plantas de plástico; 1 (um) sofá estofado; 1 (um) tapete grande; 1 (uma) mesa de madeira falsa; 2 (duas) cadeiras de madeira falsa; e 1 (um) multitelevisor. Cada item era disponibilizado com alguma variedade, em 3 tipos diferentes, de modo que uma sala pudesse ser diferente de outra. Uma porta levava ao quarto, que continha: 1 (uma) cama de solteiro, 1 (um) armário embutido padrão e 1 (um) multitelevisor. Outra porta era a saída.
Ele estava sentado em seu sofá. Perto dele, seu fiel amigo Rex. Existiu um nome para a raça do cão, algum dia. Agora ele era um cachorro-padrão, 2º tipo, dentre os que podiam vir com a casa. A seleção de mascotes era cachorros ou gatos, cada um em 3 tipos diferentes, totalizando 6 tipos diferentes, sendo, assim em variedade muito maior que a dos móveis.
Estava diante do multitelevisor da sala. O aparelho era de vidro negro não-reflexivo de um metro de altura por dois metros de largura e três centímetros de espessura, de cantos arredondados e instalado na parede, tendo na parte de baixo um painel com uma fenda quase imperceptível. O aparelho podia ser operado por meio de toques na tela, mas isso não era usual. Em suas mãos, ca.15.f3.b9 tinha o controle remoto para multitelevisores, cuja guarda era talvez sua responsabilidade mais importante. O controle remoto era um paralelepípedo fino de plástico preto e polido. Apontando-o para a tela e movendo-o, era possível comandar um pequeno ponto para selecionar opções. Havia um único botão para ativar as opções selecionadas. O multitelevisor não podia ser desligado.
Ele estudou com cuidado a tela. O aparelho exibia uma série de datas e apontamentos. Era uma programação. Ele leu as entradas para a semana seguinte: “Dia 1. 0h: repouso. 6h: trabalho. 12h: trabalho. 18h: descanso”. Todos os outros dias eram idênticos. Ele soltou um suspiro e operou o controle desanimado, o cursor na tela respondendo a todo pequeno movimento do controle. Então, sua atenção foi subitamente capturada por algo na tela.
Tinha aberto uma lista de eventos para os quais havia sido classificado. “Mudar de emprego”, “aprender um ofício”, “aprender um passatempo”, “fazer amigo”, “engordar”, “emagrecer”... Já havia visto a maior parte deles e nenhum o interessava. Mas havia um item novo. Ele o selecionou e requisitou detalhes, inclinando-se para frente, os olhos brilhando.
“Namorar. Seus índices de aproveitamento o classificaram para iniciar uma relação de caráter amoroso com pessoa também classificada. Se optar por este evento, uma lista das pessoas disponíveis lhe será transmitida. O cancelamento será possível caso a lista não contenha itens satisfatórios”.
Estava em sua casa, uma residência-padrão. A sala era quadrada de 3 metros por 3 metros, com 2 janelas e: 1 (um) vaso de plantas de plástico; 1 (um) sofá estofado; 1 (um) tapete grande; 1 (uma) mesa de madeira falsa; 2 (duas) cadeiras de madeira falsa; e 1 (um) multitelevisor. Cada item era disponibilizado com alguma variedade, em 3 tipos diferentes, de modo que uma sala pudesse ser diferente de outra. Uma porta levava ao quarto, que continha: 1 (uma) cama de solteiro, 1 (um) armário embutido padrão e 1 (um) multitelevisor. Outra porta era a saída.
Ele estava sentado em seu sofá. Perto dele, seu fiel amigo Rex. Existiu um nome para a raça do cão, algum dia. Agora ele era um cachorro-padrão, 2º tipo, dentre os que podiam vir com a casa. A seleção de mascotes era cachorros ou gatos, cada um em 3 tipos diferentes, totalizando 6 tipos diferentes, sendo, assim em variedade muito maior que a dos móveis.
Estava diante do multitelevisor da sala. O aparelho era de vidro negro não-reflexivo de um metro de altura por dois metros de largura e três centímetros de espessura, de cantos arredondados e instalado na parede, tendo na parte de baixo um painel com uma fenda quase imperceptível. O aparelho podia ser operado por meio de toques na tela, mas isso não era usual. Em suas mãos, ca.15.f3.b9 tinha o controle remoto para multitelevisores, cuja guarda era talvez sua responsabilidade mais importante. O controle remoto era um paralelepípedo fino de plástico preto e polido. Apontando-o para a tela e movendo-o, era possível comandar um pequeno ponto para selecionar opções. Havia um único botão para ativar as opções selecionadas. O multitelevisor não podia ser desligado.
Ele estudou com cuidado a tela. O aparelho exibia uma série de datas e apontamentos. Era uma programação. Ele leu as entradas para a semana seguinte: “Dia 1. 0h: repouso. 6h: trabalho. 12h: trabalho. 18h: descanso”. Todos os outros dias eram idênticos. Ele soltou um suspiro e operou o controle desanimado, o cursor na tela respondendo a todo pequeno movimento do controle. Então, sua atenção foi subitamente capturada por algo na tela.
Tinha aberto uma lista de eventos para os quais havia sido classificado. “Mudar de emprego”, “aprender um ofício”, “aprender um passatempo”, “fazer amigo”, “engordar”, “emagrecer”... Já havia visto a maior parte deles e nenhum o interessava. Mas havia um item novo. Ele o selecionou e requisitou detalhes, inclinando-se para frente, os olhos brilhando.
“Namorar. Seus índices de aproveitamento o classificaram para iniciar uma relação de caráter amoroso com pessoa também classificada. Se optar por este evento, uma lista das pessoas disponíveis lhe será transmitida. O cancelamento será possível caso a lista não contenha itens satisfatórios”.
"Controle Remoto" é o décimo-segundo conto do livro. A estória se passa no futuro, uma distopia em que os indivíduos tem suas vidas controladas através de televisores.
Dois fatores distintos se reuniram -- espero que homogeneamente -- para a realização deste conto. Consegui em várias ocasiões escrever estórias inteiras desenvolvendo algum lampejo que parecia ter graça ou lógica, ou um fato curioso isolado. Classifico assim estórias que desenvolvi tendo o título em mente, como é (em parte) o caso deste. O termo "controle remoto", na sociedade moderna, permite uma noção curiosa: é o nome do dispositivo que usamos para operar o televisor, através do qual age a mídia mais difusa e influente sobre a opinião pública, o que já foi exposto como uma forma eficiente de controlá-la. O termo, neste contexto, torna-se ambivalente e evoca a ironia do consumidor que pensa estar controlando, exercendo sua liberdade em escolhas, quando na verdade está sendo controlado, mantido preso em obrigações.
A noção já figurava nas distopias consagradas pelas obras "Fahrenheit 451" (1953) do estadunidense Ray Bradbury (1920-) e, mais diretamente, "Nós" (1924) do russo Yevgeny Zamyatin (1884-1937), através da obra mais notória que inspirou, "Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" (1949) do britânico George Orwell (1903-1950) -- origem do termo "Grande Irmão" estranhamente celebrado na atualidade. A oportunidade é boa para fazer uma relação com outra famosa distopia em que o controle não é propriamente por televisores. Em seu livro "Vamos nos divertir até a morte" (Amusing Ourselves to Death, 1985), o estadunidense Neil Postman (1931-2003) denuncia que a cultura televisiva atual não é tanto orwelliana, estando mais próxima de "Admirável Mundo Novo" (1932) de Aldous Huxley (1894-1963), em que o controle era feito pelo consumo de uma droga alucinógena.
Não encontrei uma "roupagem" apropriada para escrever a ideia, até surgir o segundo fator. Sonhei com a cena que se tornou a conclusão do conto, que não tinha relação alguma com a noção que expliquei. Mas a atmosfera angustiante, lúgubre e opressora do sonho serviu não apenas para evocar a sociedade sufocante da estória, como também forneceu o enredo, uma estória de amor, um tom claro contrastando com a escuridão circundante.
1 comentários:
Recentemente, em viagem a trabalho à monótona cidade de Santo Antônio da Platina, decidi que não preencheria meu tempo livre "vendo" (auto-alienando?) televisão no quarto do hotel. Passei a semana inteira sem praticamente ver um noticiário, um progama esportivo, sequer comerciais. O que me impressionou nesta experiência foi a constatação de quanto do meu tempo de vida é dedicado - e perdido! - à esta simples atividade e, principalmente, que outras coisas eu poderia estar fazendo que poderiam me trazer mais satisfação. Optei por passar a semana lendo e meditando. Ao comentar com a Elisiane, pensei em propor um desafio: Ficar sem TV por um tempo pré-estabelecido. Ainda não acordamos quando nem quanto tempo mas acho que vai ser uma experiência bizarra pelo simples fato de estarmos tão habituados a ter na televisão a fonte primária de informação, cultura, lazer, distração, entretenimento, etc. Isto me remete ao seu conto: Afinal de contas, O(A) que(m) o controle remoto realmente controla?
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