A porta abriu. A mulher se surpreendeu com as diferenças do quarto. Quando o conheceu, quando morou naquela casa, aquele era um quarto de menina. Era algo além da cor suave das paredes e do rodapé branco salpicado de motivos celestes; além das cortinas delicadas, do armário branco como os rodapés e a escrivaninha ao lado da porta. Além das bonecas e bebês e brinquedos coloridos, além do estranho perfume que emanava de tudo. O que fazia aquele quarto ser de menina era um brilho, uma luminescência que parecia pairar em pleno ar, tomando conta do ambiente, ressaltando os contornos de tudo, banhando tudo em uma meia-luz que forçava aqueles que entrassem a imaginar coisas nas silhuetas criadas pela sombra das cortinas projetadas nas paredes, nos padrões invisíveis do chão acarpetado ou na dança graciosa dos ínfimos fiapos que, nadavam como salmões contra a correnteza dos raios de sol, pela manhã, quando as janelas eram abertas e as cobertas descobriam o sono infantil.
Aquele brilho, aquela luminescência, era o que faltava. Para muitos, aquele ainda era um quarto de crianças. Mas seus atuais ocupantes não eram mais crianças, haviam passado daquela idade em que tudo é novo, belo e gracioso. Já haviam perdido aquela pureza que fazia a própria inocência ser inocente. E, antes de tudo, eram dois garotos. Ela nunca poderia comparar a infância de um garoto com o de uma menina. Nunca.
Suspirou, com pesar. Sua mente divagou por alguns instantes; a lembrança da perda retornou. Os dois garotos saíram, a pedido da mãe deles, que os chamou sem perturbá-la com qualquer barulho. Ela virou-se e encontrou o rosto da mulher, sorridente, dando a entender que ela podia levar o tempo que quisesse. Ela agradeceu com um aceno de cabeça. A mãe dos garotos virou-se e saiu com eles para o quintal. O dia ensolarado convidava à brincadeira.
A mulher ficou sozinha no quarto. Seus olhos estudaram o ambiente, um tanto ansiosos, um tanto frustrados por antecipação. Aqueles garotos deviam ter revirado cada centímetro daquele quarto, em busca de mistérios ocultos, passagens secretas, viagens espaciais e essas coisas que garotos fazem. Talvez até tivessem brincado de piratas ou de aventureiros buscando tesouros escondidos. Talvez encontraram o tesouro escondido que ela própria procurava.
Com muito cuidado, afastou uma das camas, evitando fazer barulho. Junto da parede, atrás da cabeceira da cama, procurou um trecho do rodapé. Ele não era mais branco e nem tinha sinal de qualquer motivo celeste. Era azul. Simples e puramente azul. Buscou agarrá-lo, crendo que as emendas, antes evidentes, haviam sido cobertas pela nova tinta. Estava certa: com algum esforço, a nova camada de tinta rompeu-se e um segmento do rodapé saiu em suas mãos. Embaixo dele, o carpete estava solto. Nervosa e amaldiçoando-se por isso, ela hesitou, antes de enfiar as mãos embaixo do carpete, onde sabia haver um espaço vazio, em que estava seu tesouro.
Tateou, tateou. Onde estaria?
Aquele brilho, aquela luminescência, era o que faltava. Para muitos, aquele ainda era um quarto de crianças. Mas seus atuais ocupantes não eram mais crianças, haviam passado daquela idade em que tudo é novo, belo e gracioso. Já haviam perdido aquela pureza que fazia a própria inocência ser inocente. E, antes de tudo, eram dois garotos. Ela nunca poderia comparar a infância de um garoto com o de uma menina. Nunca.
Suspirou, com pesar. Sua mente divagou por alguns instantes; a lembrança da perda retornou. Os dois garotos saíram, a pedido da mãe deles, que os chamou sem perturbá-la com qualquer barulho. Ela virou-se e encontrou o rosto da mulher, sorridente, dando a entender que ela podia levar o tempo que quisesse. Ela agradeceu com um aceno de cabeça. A mãe dos garotos virou-se e saiu com eles para o quintal. O dia ensolarado convidava à brincadeira.
A mulher ficou sozinha no quarto. Seus olhos estudaram o ambiente, um tanto ansiosos, um tanto frustrados por antecipação. Aqueles garotos deviam ter revirado cada centímetro daquele quarto, em busca de mistérios ocultos, passagens secretas, viagens espaciais e essas coisas que garotos fazem. Talvez até tivessem brincado de piratas ou de aventureiros buscando tesouros escondidos. Talvez encontraram o tesouro escondido que ela própria procurava.
Com muito cuidado, afastou uma das camas, evitando fazer barulho. Junto da parede, atrás da cabeceira da cama, procurou um trecho do rodapé. Ele não era mais branco e nem tinha sinal de qualquer motivo celeste. Era azul. Simples e puramente azul. Buscou agarrá-lo, crendo que as emendas, antes evidentes, haviam sido cobertas pela nova tinta. Estava certa: com algum esforço, a nova camada de tinta rompeu-se e um segmento do rodapé saiu em suas mãos. Embaixo dele, o carpete estava solto. Nervosa e amaldiçoando-se por isso, ela hesitou, antes de enfiar as mãos embaixo do carpete, onde sabia haver um espaço vazio, em que estava seu tesouro.
Tateou, tateou. Onde estaria?
"Carolina de Óculos" é o 4º conto do livro, e o primeiro a passar-se em épocas modernas.
A estória acompanha uma mulher que, através do "tesouro" que procura no início, vivencia aventuras de Carolina, uma menina de imaginação fértil que está procurando. A narrativa passa por vários episódios da vida de Carolina, fazendo dela a protagonista.
A ideia para o conto veio quando conversava com minha amiga Carolina, que me contou que logo usaria óculos. Lembrei-me de tudo o que eu próprio havia passado -- usei óculos dos 10 aos 27 anos -- e somei a isso a vontade que tinha de escrever uma estória infantil, alegre e leve, oposta à tenebrosidade do horror, à opulência da fantasia e à tecnicidade da ficção científica.
O contato entre a mulher e Carolina cria provoca o próprio leitor a perceber o quão crescido e distante está da criança que foi. Se esse contato entre gerações não parece ser motivo suficiente para o conto integrar esta coletânea sobre o Tempo, a razão real da busca da mulher por Carolina certamente colocará de lado qualquer dúvida.
Concluído o conto, dei ele de presente desde logo à amiga que me deu a ideia. Agora que é dela, tenho que pedir autorização pra publicar. Você deixa, né, Carol?
1 comentários:
Oxi, claro que deixo!!! Rsrsrs
Maior orgulho. E de longe, acho que é meu conto preferido. rsrsrs
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