Um alarme repetitivo soava. “Pram. Pram. Pram.”
No espaço diminuto, semelhante a um caixão, um monitor banhava de luz vermelha o rosto de um homem adormecido. Ele acordou, e apertou com o indicador o relógio despertador vermelho que tremia na tela. O relógio parou de tremer tornando-se verde, e uma voz feminina agradável informou:
— Atenção, senhor... Hiato, restam... dez... minutos das suas... cinco... horas de repouso. O senhor gostaria de...
O homem interrompeu a frase inserindo um cartão em uma fissura ao lado do monitor.
— Digite o tempo desejado — disse a voz.
Ele digitou trinta minutos, cada pressão na tela fazendo um som característico.
— Trinta... minutos. Desculpe, crédito insuficiente. Digite...
Ele digitou quinze minutos.
— Quinze... minutos. Desculpe...
Digitou cinco minutos, irritado.
— Cinco... minutos. O valor mínimo para repousar neste hotel é de cinco minutos e seu cartão não possui crédito suficiente...
— Tá, tá... — tentou ignorar o homem.
— O senhor gostaria de informações a respeito de albergues gratuitos?
— Não... — bocejou ele.
— De acordo com o registro de suas operações financeiras, o senhor realizou suas últimas três refeições em um restaurante McDonald’s e, portanto, tem direito à nossa promoção “Manhã De Bem Com A Vida”. Gostaria de mais informações?
— Depois... — disse ele, cobrindo os ouvidos com os braços.
— O senhor tem duas mensagens, totalizando sete minutos. Mensagens não ouvidas até o fim deste serviço estão sujeitas a exclusão automática. Deseja ouvi-las agora?
— Grave no cartão.
— Cartão cheio.
— Como cheio? — ele suspirou. — Abra o explorador.
— Desculpe, crédito insuficiente.
— Mostre as mensagens.
— Mensagem um. — A tela exibiu um rapaz, sentado a uma mesa. Usava calça cinza, suspensório bege, camisa branca e gravata vermelha. O cabelo curto, castanho-claro, estava desarrumado. Seu rosto estava pintado de branco e em um dos ouvidos tinha um fone. — Hiato, a chefe quer teu couro. Você pegou a gravata ampliadora de paladar dela. O marido dela ligou pra saber como estava a comida e ela disse que estava sem sal. Já sabe o que deu, né? Ela separou um caso “daqueles” pra você. Até.
"Futuro Seguro" é o décimo conto do livro, e o segundo futurista. A estória acompanha um investigador de uma pequena empresa de seguros, em um futuro distópico com corporações nascidas de fusões disfuncionais, sem limites para suas atividades comerciais. A narrativa traz mistério e ação em uma atmosfera cyberpunk bem-humorada, denunciando algumas direções inusitadas que a tecnologia e a liberalidade econômica pode dar à cultura de consumo e à sociedade.
Distopia é o oposto de uma utopia, em que um certo fator ou conjunto de fatores é apontado como tendo consequências prejudiciais no futuro, originando situações negativas na natureza e na sociedade. Enquanto uma utopia explora as mais otimistas consequências de realizações do presente, uma distopia avança o tempo para mostrar a degeneração e decadência, evidente ou implícita, do mundo.
No conto, a distopia é fundada em uma extrapolação do que seria um futuro regido por princípios do Neoliberalismo. Esta escola de pensamento econômico advoga que ideais de que a iniciativa privada deveria ditar os rumos políticos do Estado. Em tese, o controle sobre as atividades das empresas não viria mais de um poder público soberano, mas da concorrência com outras e da constante necessidade de oferecer um melhor produto ao consumidor para mantê-lo.
O título é uma brincadeira entre a realidade desse futuro e a ocupação do protagonista, sendo também o nome de sua companhia: "Futuro Seguros".
1 comentários:
ahahahaha adorei a brincadeira!
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