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4 de junho de 2010

Náufragos no rio do tempo


 Certamente todos algum dia fomos iludidos pela nossa própria noção de tempo, chegando atrasado ou adiantado a compromissos, perdendo o ônibus ou metrô, perdendo a hora de um programa preferido, dando parabéns a um aniversariante no dia errado. Métodos de marcação de tempo figuram entre as invenções mais antigas da humanidade, e estão entre as poucas invenções que temos como essenciais a ponto de carregá-las conosco todos os dias, amarrados a nossos pulsos, e a ponto de dispor de forma bem visível em nossos lares e fachadas. A tecnologia respondeu à necessidade cada vez maior da sociedade de saber que horas são, criando toda uma indústria de administração de tempo. Para muitos, é essencial saber a hora. E para muitos, é impossível sem ajuda.

O nosso "relógio biológico", os ritmos internos de nosso corpo - junto com os ritmos de diversas formas de vida - são estudados por um ramo jovem da biologia chamado cronobiologia. Apesar de estudos nesse sentido datarem de séculos atrás, foram os estudos do cientista romeno Franz Halberg que o iniciaram como campo de estudo formal, consolidado em 1960 pelo simpósio chamado "Relógios Biológicos" no laboratório Cold Spring Harbor, estado de Nova Iorque.

Segundo a cronobiologia, nosso corpo apresenta três ritmos: ultradiano, circadiano e infradiano. Curiosamente contrariando o radical, o ritmo ultradiano refere-se a ocorrências contidas dentro de um dia, como a alimentação e excreção, o controle da respiração e temperatura e a atividade cardíaca e hormonal. Por sua vez, o ritmo infradiano refere-se a ocorrências que ultrapassem um dia, como o ciclo menstrual.

O ritmo circadiano serve de base para nosso controle de tempo, e controla as ocorrências dentro do período aproximado de 24 horas (daí o nome, que vem de "cerca de um dia"), sendo a principal o sono. Esse ritmo é controlado pelo núcleo supraquiasmático (por estar sobre o quiasma ótico), uma região do cérebro do tamanho de um grão de arroz. Ele faz esse controle do dia conforme estímulos externos chamados zeitgebers: "doadores de tempo", incluindo temperatura, interações sociais e alimentação, mas a iluminação sendo o principal. Assim, o dia biológico acelera ou retarda conforme percebe esses estímulos externos.

Descrito o que é um ritmo circadiano, podemos tratar dos transtornos relacionados. O mais conhecido é o jet lag ("atraso de jato") ou dessincronose ocorre quando uma pessoa viaja muito rápido para outra parte do mundo com grande diferença de fuso horário, causando dor de cabeça, sono irregular, cansaço e problemas intestinais. Outros distúrbios de sono existem: o de trabalho em turnos ocorre quando uma pessoa muda frequentemente o horário de dormir; os de sono atrasado e adiantado, que faz o período de sono ocorrer fora do horário de sono normal; ou o não-24 ou corrida livre, em que a pessoa dorme conforme um dia próprio que não tem 24 horas. Transtorno também relacionado ao ritmo circadiano é o afetivo sazonal, ou depressão de inverno, que faz as pessoas ficarem abatidas no inverno e que muito raramente pode evoluir para um transtorno mais sério.

O sentido ou senso de tempo, ou seja, a capacidade de determinar-se temporalmente, inclui outros fatores além do ritmo circadiano. A capacidade de definir o tempo pode ser prejudicada por outras doenças que não afetam o ritmo circadiano propriamente, mas que afetem a percepção, a identidade, o equilíbrio emocional ou mesmo a química cerebral de modo generalizado. Alucinações como as manifestadas na esquizofrenia podem ser de natureza cronoceptiva, ou seja, relacionada à percepção do tempo. Há várias doenças que atacam os centros cognitivos do cérebro, incluindo a memória e a percepção do tempo, como a Doença de Huntington e o Mal de Parkinson, que começam com movimentos involuntários do corpo (coreia em Huntington e tremores em Parkinson), e podem levar à demência. A forma mais comum de demência, o Mal de Alzheimer, é caracterizada e diagnosticada pela deterioração cognitiva. Vale mencionar também o controverso transtorno de déficit de atenção com hiperatividade que apresenta sintomas de inquietação que podem denotar a deficiência na percepção de tempo.

Concluo tratando da perturbação ao senso de tempo causada pelas drogas. Substâncias psicoativas podem ser divididas entre estimulantes e depressantes, se respectivamente aumentam e diminuem as atividades do sistema nervoso, e alucinógenas, se causam efeitos anormais ao sistema nervoso. As estimulantes incluem a cafeína, nicotina, anfetaminas, o ecstasy, e a cocaína. As depressantes incluem o álcool, barbitúricos, e opiatos como a morfina e codeína. As alucinógenas incluem a mescalina ou peiote, a ayahuasca ou Santo Daime, o LSD, e a maconha ou haxixe. Cogita-se que por agirem sobre a atividade de neurotransmissores como a dopamina e a adrenalina, substâncias estimulantes podem causar a sensação de tempo contraído ou acelerado, enquanto que substâncias depressantes podem causar o oposto, ou seja, a sensação de tempo dilatado ou retardado. É descrito que substâncias alucinógenas podem realmente subverter o senso de tempo por completo, e imagino que sensações possíveis incluam a de estar alheio ao tempo, experimentar tempos paralelos, ou a de correr em sentido oposto ao tempo.

Às vezes amaldiçoamos nosso barco no rio do tempo por não podermos acelerá-lo, pará-lo ou mudá-lo de direção; mas deveríamos dar graças por ele não estar fazendo água.

2 comentários:

Blog do Beto Lemela

Hoje fiquei sabendo que tem um filme chamado A Quarta Dimensão, mas não o encontrei, infelizmente. Alguma coisa a ver com o título do seu blog ? Gosto muito de acompanha-lo, continue escrevendo legal assim. Abraços.

Blog do Beto Lemela

Eduardo, acho que fiz confusão. Depois lendo um dos blogs que sigo descobri que o filme chama-se "Contatos imediatos de 4º grau" e baseia-se em cenas reais de uma filmagem realizada durante pesquesa de uma psicóloga norte-americana chamada Abgail Tyler. Você encontrará maiores referencias no blog: http://hugolapa.wordpress.com
Além dele, tive otimas referencias sobre o filme e até me mostraram a capa aqui em São Paulo nesta sexta-feira, mas estava desprevenido e não comprei o DVD. Depois se comprar comento com você e caso não encontre por ai, posso enviar para você, caso queira. Grande abraço.

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